No Texto I, “Senhora” (1875), José de Alencar situa o leitor sobre o jogo de interesses da sociedade da época, por meio de sua protagonista, que antes era uma moça pobre em via de ficar órfã,
tendo até um casamento rejeitado por conta de sua classe social, mas que, após o recebimento de
uma herança, passa a ser “admirada” e receber galanteios com frequência. A obra Senhora, de José
de Alencar, divide-se em quatro partes. A primeira inicia-se com este capítulo: “O preço”. A segunda
parte, chamada de “Quitação” narra a história de Aurélia. A terceira parte tem como título “Posse”, e
descreve a rotina de Aurélia e Fernando enquanto casal. Na quarta (e última parte), “Resgate”, temos
os principais acontecimentos da trama.
Considerado um romance urbano, o autor retrata o casamento por interesse em uma sociedade
de aparências do século XIX. A personagem Aurélia, enquanto desprovida de capital, possui como
características a fragilidade e a meiguice, é compreensiva e sonhadora. Após a decepção que teve
com Fernando, ao ser abandonada em troca de um casamento por interesse, passa a ser fria, calculista e temperamental. Demonstra inteligência e planejamento de suas ações, para que tudo saia conforme seus planos. Faz questão de, por vaidade, mostrar à sociedade que é rica e dona de Fernando.
O Texto II apresenta um trecho de “Iracema” (“Ira”: mel, “ceme”: lábios ou semu, saída. Anagrama de América), romance de 1865, que narra a história de amor entre Martim e Iracema, representando o encontro entre o branco colonizador e o índio, ou seja, entre a cultura europeia considerada civilizada, e os valores indígenas, apresentados como naturalmente bons.
José de Alencar discorre sobre uma narrativa de fundação, cujo principal objetivo é mostrar a
criação de uma identidade cultural, representando como se originou a nacionalidade brasileira. Iracema faz parte de uma trilogia indianista do autor (O Guarani, Iracema, Ubirajara) e representa a lenda do
Ceará , contemplando, na obra, tanto elementos da natureza, quanto mitos indígenas. É descrita na 3ª
pessoa por um narrador observador, o qual enfatiza o contato do indígena com a civilização (portuguesa), denotando, assim, o nacionalismo, mostrado entre o romance de Iracema com Martim. Há uma
análise interessante da obra Iracema de José de Alencar, segundo análise do professor Eduardo Vieira
Martins, professor da FFLCH-USP, (canal USP, Livros da Fuvest) que poderá contemplar estas discussões literárias, bem como compreendê-la no contexto literário histórico e social da época.
Texto I
SENHORA
José de Alencar
Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.
Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões.
Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade.
Era rica e formosa.
Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante.
Quem não se recorda da Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da Corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira o seu fulgor?
Tinha ela dezoito anos quando apareceu a primeira vez na sociedade. Não a conheciam; e logo
buscaram todos com avidez informações acerca da grande novidade do dia.
Dizia-se muita coisa que não repetirei agora, pois a seu tempo saberemos a verdade, sem os
comentos malévolos de que usam vesti-la os noveleiros.
Aurélia era órfã; tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D. Firmina Mascarenhas, que
sempre a acompanhava na sociedade. [...]
ALENCAR, José de. Senhora. Domínio Público. Disponível em: https://cutt.ly/aUyrZER. Acesso em : 17 jan. 2022.
Texto II
IRACEMA
José de Alencar
Capítulo 2
[...] Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e
mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde
campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas
a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da
oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os
úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho: o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em
manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta
com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore
e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus
perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau
espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das
águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue
borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco
e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
— Quebras comigo a flecha da paz?
— Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas,
que nunca viram outro guerreiro como tu?
— Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje
têm os meus.
— Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de
Araquém, pai de Iracema. [...]
ALENCAR, José de. Iracema. Domínio Público. Disponível em: https://cutt.ly/BUyr8Qp. Acesso em:17 jan. 2022
1) Qual a relação entre os textos de José de Alencar, Senhora e Iracema?
Espera-se que os estudantes mencionem que são textos de um mesmo autor e identifiquem
que ambos trazem personagens femininas, descritas como belas, e que demonstram posturas um
pouco diferente em relação às heroínas românticas da época (Iracema é uma guerreira, Aurélia é
uma mulher que assume o controle das suas vontades), protagonizando as histórias.
2) Os fragmentos pertencem a qual gênero textual?
Os textos pertencem ao gênero textual romance, o qual é escrito em prosa e possui uma
narrativa longa. Explane, nesta questão, as características do gênero romance, em especial, sobre
a introdução na literatura brasileira dos quatro tipos de romances: indianista, histórico, urbano e
regional presentes nas obras alencarianas. Além de que as semelhanças existentes nos romances
e contos escritos no século XIX podem ser muito atuais em relação à sua temática, sendo possível
fazer paralelos muito interessantes com assuntos presentes no século XXI.
3) A produção literária da 1ª e 2ª gerações românticas, do século XIX, destacou a mulher como figura idealizada. Nos trechos retirados das obras Senhora e Iracema, as características apresentadas comprovam essa afirmação? Comentem sobre os perfis das personagens.
Nessa apresentação, Aurélia é retratada como uma mulher idealizada, perfeita, que encanta
a todos e é inalcançável, característica da segunda fase romântica; já Iracema representa o ideal da primeira fase romântica, pois apresenta o índio como o herói nacional. No entanto, como
já apresentado, as personagens alencarianas já apresentam características realistas/naturalistas,
pois ambas são descritas como mulheres fortes e independentes em várias passagens dos textos.
4) Pesquisem, no romance “Senhora”, as palavras consideradas desconhecidas e transcrevam-nas,
buscando os significados em dicionários impressos ou digitais.
Ascensão - Ato ou efeito de ascender, de subir; estado do que está a subir ou a elevar-se.
Alabastro - Variedade de gipsita branca, translúcida, pouco dura e suscetível de um belo polido;
Qualidade do que é branco.
Alvura, brancura.
Avidez - Desejo ardente e insaciável; voracidade.
Cetro - Bastão curto que é uma das insígnias do poder soberano.
Esplendores - Fulgor, brilho intenso; deslumbramento; lustre, fama, glória.
Firmamento - Ato ou efeito de firmar; O que serve de fundamento. =
Alicerce, sustentáculo.
Fulgor - Brilho instantâneo, mas intenso; expressão, energia.
Malévolos - Que mostra malevolência, má vontade ou hostilidade; que mostra maldade ou predisposição para fazer mal.
Opulências Abundância de riqueza; magnificência; diz-se das produções muito abundantes.
Prisma Cristal que decompõe a luz; modo especial de ver ou considerar as coisas.
5) De que maneira Aurélia é apresentada ao leitor?
A protagonista é apresentada como uma mulher rica e da alta sociedade, que frequenta bailes
e eventos burgueses, acompanhada de sua parente, D. Firmina.
6) Como o autor descreve as características da protagonista? Qual aparência ela tem? Transcrevam
trechos dos textos para justificarem a resposta.
O autor faz uso de formas de expressão (figuras de linguagens) como comparações e metáforas para exaltar a beleza da protagonista. Exemplo: “Duas opulências, que se realçam como a flor
em vaso de alabastro; dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante.”
7) Façam uma breve pesquisa sobre a obra “Senhora” e respondam às questões a seguir:
a) O que acontece na vida de Aurélia para que, de repente, ela se torne uma mulher admirada e
cheia de pretendentes?
Aurélia era filha de uma costureira pobre, torna-se órfã e recebe uma enorme herança de seu
avô, o que passa a atrair os olhares e galanteios de vários rapazes.
b) Considerando que a questão central proposta por José de Alencar nesse romance é o casamento, qual crítica social o autor faz por meio dessa temática?
O autor faz uma crítica ao casamento por interesse/conveniência e à forma como o dinheiro
condicionava a vida das pessoas.
8) Toda a narrativa de “Senhora” se dá porque Aurélia “compra” o marido, conforme o trecho, a
seguir, demonstra:
“(...) Entremos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se cada um ao que
é, eu uma mulher traída; o senhor, um homem vendido.
- Vendido! Exclamou Seixas ferido dentro d’alma.
- Vendido sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica, sou milionária; precisava de
um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava no mercado;
comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento.”
2.
a) Que características de Aurélia podemos identificar no trecho anterior? Elas coincidem com
aquelas esperadas em uma personagem do Romantismo?
suas personagens já apresentam características realistas/naturalistas, pois Aurélia nos é
apresentada, aqui e em outras passagens da obra, como uma mulher forte e independente, à frente de
seu tempo, que dirige sua vida e seus negócios. Neste trecho, ela se mostra, inclusive, cruel e vingativa.
b) Aurélia é trocada por outra moça com um dote de trinta contos de réis e, por causa desse fato,
decide se vingar de Seixas. Procurem em dicionários (impressos ou digitais) o significado do
termo “dote”, anotem a seguir, expondo a opinião do grupo sobre a atitude da protagonista no
trecho em destaque.
Um costume antigo, mas ainda em vigor em algumas regiões do mundo, que é estabelecer
quantidades de bens e dinheiro oferecidas a um noivo pela família da noiva, para acertar o casamento entre os dois. Espera-se que os estudantes compreendam que é uma prática ultrapassada
e desrespeitosa para a mulher, de acordo com os atuais costumes de nosso país.
c) A partir do contexto sociocultural em que a obra está inserida, expliquem porque Aurélia afirma
que o marido é “um traste indispensável às mulheres honestas”.
Na sociedade em questão, principalmente na alta sociedade, uma mulher solteira não era
bem-conceituada e não poderia ter uma vida social ativa. Um exemplo disso é que, no primeiro trecho do texto aqui apresentado, somos informados que Aurélia tinha uma “velha parenta, viúva,
que a acompanhava na sociedade”.
d) No decorrer da narrativa, percebe-se que o casamento é mais um contrato financeiro do que
amoroso. Contudo, o final da obra mantém-se fiel às características do Romantismo. Descrevam o final da história e de que maneira este fato é constatado.
Aurélia confessa seu amor por Fernando e afirma que eles podem ficar juntos, esquecendo o
passado. Fernando beija sua esposa, porém fica com receio do dinheiro da amada continuar a prejudicar seu relacionamento, ao passo que ela apresenta seu testamento, deixando toda sua riqueza
para o marido, assim, permitindo que eles vivessem o “amor conjugal”. Ou seja, os protagonistas
redimem-se, recuperando a dignidade e pureza comuns aos heróis do Romantismo.
Sobre o Texto II
9) Em grupo, façam uma pesquisa para responder às questões a seguir.
a) Qual é o tipo de narrador da obra?
O narrador é onisciente.
b) O narrador apresentado se identifica mais com o olhar de uma das personagens do texto. Que
personagem é essa? Justifiquem sua resposta.
A personagem é Iracema. Ele se identifica mais com seu olhar na medida em que se utiliza de
seu vocabulário para construir a narrativa e expõe os fatos a partir do ponto de vista dela.
10) No capítulo estudado, temos a apresentação da protagonista descrita por ações que aparentam
ser cotidianas, fazendo parte de sua rotina. Levando isso em consideração, escrevam como era
o modo de vida de Iracema.
Compreende-se que Iracema, relacionando-se com animais e com o ambiente, era muito
próxima à natureza.
11) Por se tratar de um romance indianista, a obra é repleta de vocábulos originados do idioma Guarani 7
, começando por Iracema que significa “saída de mel, saída de abelhas, enxame” (ira, mel,
abelha + semu, saída). Procurem, no texto, as palavras que aparentam ser dessa origem, e transcrevam-nas no caderno, buscando os significados em dicionários impressos ou digitais.
Ará - Grande papagaio da América do Sul, de longa cauda e bela plumagem; arara; “Ará” se
originou do termo tupi a’rá, e significa aves de muitas cores.
Araquém - É de origem Tupi e significa pássaro - qualquer ave da ordem dos pásseres. / Pequena ave.
Crautá - Palavra indígena que define uma planta, o mesmo que: ¨caraguatá¨; Crauatá, do tupi
karauatá.
Gará
Ave conhecida por sua plumagem vermelha e bico longo, com o qual busca alimento
em rios e manguezais; guará. Alguns autores afirmam que “guará” viria de um termo tupi (awa’rá), cujo significado seria “vermelho”.
Graúna Do tupi gwara’una, ave preta.
Ipu - Espécie de jalapa; terreno úmido, adjacente às montanhas, por onde corre a água que
delas deriva.
Jati- Espécie de abelha, no Brasil.
Juçara- Do tupi yi’sara; palmeira (Euterpe edulis) com caule anelado, nativa do Brasil, Argentina
e Paraguai, que produz palmito de qualidade; O mesmo que açaí.
Mangaba - Fruto da mangabeira, pequena árvore da América do Sul, encontrada no Brasil mais
frequentemente na região Nordeste. Origem indígena: significa “coisa boa de comer”.
Sabiá- Do tupi sawi’a; nome comum dado aos pássaros da família dos muscicapídeos, cosmopolitas, de coloração simples, normalmente marrom, preta ou cinza, conhecidos
pelo canto bem melodioso.
Tabajara- Nativo dos tabajaras; indígena que pertence aos tabajaras, povo indígena que habitou
algumas regiões litorâneas do Brasil, especialmente em alguns estados nordestinos.
Uiraçaba - É uma palavra indígena que define uma aljava; carcás; uiraçaba em tupi-guarani significa literalmente: ¨lugar de flecha¨ - uira (flecha) + s’aba (lugar de).
Uru -Cesto de palha de carnaúba ou fibra de piaçaba, com alça; uru em tupi-guarani pode
significar literalmente:
-¨continente¨ (uru=tiru).
-¨abelha mestra¨(uru=eirub).
-¨ave grande¨(uru=guirá